Mais Dora...

terça-feira, 25 de outubro de 2011



TUDO É MEU

Se bem que a distância
Faça ainda maior a sombra
E o tempo esteja partido
Em minhas mãos
Se bem que o presente
Só conjugue o presente
O resto é meu

Foi quando chegaram do tempo
As verdejantes flâmulas
E quando o cacto sangrou
Em rosas o seu corpo
E a areia estendeu-se
Em nuvem para o espaço

Então as bôcas abrasadas
Calaram os seus gemidos
E os mortos voltaram a dormir
À sombra das muralhas
E as insígnias balouçaram
À porta das pousadas

E então começaram a nascer
jasmins dos meu vestido
E o chão explodiu no fogo
Das espigas
E sob meus pés
Os cardos floresceram

Senti então
Que estava livre

Agora o mar que agita
A tela azul da noite
É meu
É meu

As velas mansas
Ancoradas nas tardes
Brincos de prata
Pendentes de outros mares
Tudo é meu
A claridade que nasce
Das ondas
E vem morrer dentro de mim
O mais é meu

O sol aquecerá
As pedras de cada dia
E os ombros em fadiga
Transporão mais uma etapa

Mas a ardência do mar
E as ilhas remotas
Mas o amortecimento
Serão meus

Quando as inquietações despertarem
E as urgências chegarem
Eu ficarei
Quando as angústias surgirem
E as ambições reinarem
Eu ficarei
Pausa sôbre as calçadas
Próxima ao cão noturno
E à lua partida

Porque o marulhar da onda
E os telhados em sombra
E a umidade do beco
Serão meus

Quando as imprecações começarem
E as violências forem conhecidas
Quando a posse vencer o possuído

Eu viverei as horas frágeis
As arcadas das pontes
O reflexo nos lagos
E tudo será meu

Quando todos os sistemas
Tiverem sido explorados
E o véu da vida
Em olhos fôr rasgado
Enquanto a noite
Em fachos se acender

Eu ficarei perdida na distância
Prêsa ao meu amor
Meu
Meu.




MINHA ALMA VAI



Minha alma vai
Em tua direção
Quando a madrugada
Corre silêncios
Pelas ruas do sono

Minha alma vai
Cativa outra vez
Como a primeira vez
Sem saber o que é
Ou o que foi vivido

Sem espaço sem tempo
Vai minha alma
Ao teu encontro
Sem medida sem fim
Louca cega
Para a vida
Ou para a morte

Minha alma vai
Entre gêlo e fornalha
Vencendo climas
Mistica e breve
Minha alma vai
em tua direção
Sem norte sem rio
Sem pesar nada

Minha alma corre
Em tua direção
Como aurora
Asa brisa
Ou cascata

Extasiada
Imprudente
Gritando loas
Minha alma canta
Em tua direção
Para a vida ou para morte

Sem saber o que é vida
Ou o que é morte
Sem saber o que é alma
Ou o que é caminho.






FUGA E PERMANÊNCIA

O relógio ao alto
Gritava
Uma hora
Duas horas
Três horas
Dentro do engaste das folhas
E ia apunhalando
O tempo
Como os ponteiros bárbaros

2ª -feira
3ª -feira
4ª -feira

Enquanto a terra
Bebia
Dos verdes cálices
Sem transparência
E sem fúria
Docemente

Os pés em ladrilho
Se alongavam
E o ponteiro faminto
Ia consumindo o tempo
4ª -feira
5ª -feira
As tardes estiravam-se
Nos parapeitos
Do chafariz vinha um sussurro
De fora do mundo

Os telhados flutuavam em luz
Enquanto nuvens se rasgavam
Contra os azuis

Os problemas florais transpareciam
Nas mil bôcas das folhas
Eu ouvia tôdas as notícias
Ao trágico e ao figurado

Gaivotas sondavam as solidões
E as palmeiras cresciam
Apertando-me
Alheias à minha incapacidade

Duas horas
2ª -feira
3ª -feira
E o Relógio aumentava
Farto de tempo

Quatro horas
Cinco horas
Seis horas
Só não vinha
A hora da transfiguração
Fuga para a ternura.




ME DÁ UM BEIJO

Me dá um beijo
Que passa
Esta desgraça

Ânsias de beber luar
De morrer na praia
Antes do mar
De contar segredos no bar

Fazer um ato de bravura
Cometer qualquer loucura
Fazer discurso na praça
E provocar arruaça

Depois de confraternizar
Se suicidar
Sem bilhetes de adeus
Para intrigar filisteus

Pelas ruas vagar
Bater em tôdas as janelas
Almas vivas encontrar
Ver lanternas e boiar

Noite acabada
Cara arrumada
Vida aceitada
Marcha trotada

Ah! Me dá um beijo
Para eu chorar!

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